Publicado em 30/12/19
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Saladino no limbo |
O poeta florentino Dante Alighieri em sua magna obra Divina Comédia situa o limbo no primeiro dos nove círculos do inferno. O "limbo" seria o estado das almas das crianças que morreram sem o batismo: Elas não poderiam ir para o céu e desfrutar da visão beatífica (visão de Deus), pois não se livraram do pecado original por meio do batismo. Também não poderiam ser condenadas ao inferno, pois não cometeram pecados pessoais. Os teólogos medievais, então, propuseram a teoria do limbo, que ganhou larga aceitação, mas que nunca se tornou doutrina oficial da Igreja Católica. O limbo seria um "lugar" - ou, melhor, um estado - onde se encontrariam as almas que morreram sem o batismo e sem pecados pessoais. Lá elas desfrutariam de uma "felicidade natural" [1]. O poeta florentino menciona a existência de "pagãos virtuosos" no limbo, incluindo muçulmanos ilustres. A passagem do poeta pelo limbo em companhia de Virgílio é descrita no Canto IV do "Inferno". Não é possível reproduzi-lo aqui na íntegra pela sua extensão, então escolhemos algumas passagens disponíveis no site Domínio Público:
"Vamos: longa a jornada exige pressa".
Entrou, e eu logo, o círculo primeiro
Em que o abismo a estreitar-se já começa,
Escutei: não mais pranto lastimeiro
Ouvi; suspiros só, que murmuravam,
Vibrando do ar eterno o espaço inteiro.
Pesares sem martírio os motivavam
De varões e de infantes, de mulheres
Nas multidões, que ali se apinhoavam.
"Conhecer" - meu bom Mestre diz - "não queres
Quais são os que assim vês ora sofrendo?
Antes de avante andar convém saberes
Que não pecaram: boas obras tendo
Acham-se aqui; faltou-lhes o batismo,
Portal da fé, em que és ditoso crendo.
(...)
Chegamos junto a um fúlgido castelo
Sete vezes de muro alto cercado:
Cinge-o ribeiro lindo, mas singelo.
Passei-o a pé enxuto; acompanhado
Entrei por sete portas, caminhando
De fresca relva até ameno prado.
Graves, pausados olhos meneando
Estavam sombras de aspecto majestoso,
Com voz suave rara vez falando.
A um lado, sobre viso luminoso
Subimo-nos: de lá se divisava
Dessas almas o bando numeroso.
No verde esmalte o Mestre me indicava
Egrégias sombras: inda me extasia
O prazer com que vê-los exultava
(...)
Notei Márcia, Lucrécia e o que Tarquino
Lançou, Cornélia e Júlia; retirado
De todos demorava Saladino.
Alcançando os olhos, de respeito entrado,
O Mestre vejo dos que mais se acimam
Em saber, de filósofos cercado.
Todos com honra e acatamento o estimam.
Aqui Platão e Sócrates estavam,
Que na grandeza mais se lhe aproximam.
Demócrito, o atomista, acompanhavam
Tales, Zeno, Heráclito e Anaxágora.
Empédocle e Diógenes falavam,
Dióscoris, o que a natura outrora
Sábio estudara, Orfeu, Túlio eloqüente,
Sêneca, o douto, que a moral explora,
Lívio, Euclides, Hipócrates ingente,
Ptolomeu, Galeno e o Avicena;
Averróis, nos comentos sapiente.
Resenha não me é dado fazer plena
De todos; longo o assunto está-me urgindo,
E a ser omisso muita vez condena.
[1] Confira o documento "A Esperança da salvação para as crianças que morrem sem batismo" elaborado pela Comissão Teológica Internacional, disponível no site do Vaticano.
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Entrou, e eu logo, o círculo primeiro
Em que o abismo a estreitar-se já começa,
Escutei: não mais pranto lastimeiro
Ouvi; suspiros só, que murmuravam,
Vibrando do ar eterno o espaço inteiro.
Pesares sem martírio os motivavam
De varões e de infantes, de mulheres
Nas multidões, que ali se apinhoavam.
"Conhecer" - meu bom Mestre diz - "não queres
Quais são os que assim vês ora sofrendo?
Antes de avante andar convém saberes
Que não pecaram: boas obras tendo
Acham-se aqui; faltou-lhes o batismo,
Portal da fé, em que és ditoso crendo.
(...)
Chegamos junto a um fúlgido castelo
Sete vezes de muro alto cercado:
Cinge-o ribeiro lindo, mas singelo.
Passei-o a pé enxuto; acompanhado
Entrei por sete portas, caminhando
De fresca relva até ameno prado.
Graves, pausados olhos meneando
Estavam sombras de aspecto majestoso,
Com voz suave rara vez falando.
A um lado, sobre viso luminoso
Subimo-nos: de lá se divisava
Dessas almas o bando numeroso.
No verde esmalte o Mestre me indicava
Egrégias sombras: inda me extasia
O prazer com que vê-los exultava
(...)
Notei Márcia, Lucrécia e o que Tarquino
Lançou, Cornélia e Júlia; retirado
De todos demorava Saladino.
Alcançando os olhos, de respeito entrado,
O Mestre vejo dos que mais se acimam
Em saber, de filósofos cercado.
Todos com honra e acatamento o estimam.
Aqui Platão e Sócrates estavam,
Que na grandeza mais se lhe aproximam.
Demócrito, o atomista, acompanhavam
Tales, Zeno, Heráclito e Anaxágora.
Empédocle e Diógenes falavam,
Dióscoris, o que a natura outrora
Sábio estudara, Orfeu, Túlio eloqüente,
Sêneca, o douto, que a moral explora,
Lívio, Euclides, Hipócrates ingente,
Ptolomeu, Galeno e o Avicena;
Averróis, nos comentos sapiente.
Resenha não me é dado fazer plena
De todos; longo o assunto está-me urgindo,
E a ser omisso muita vez condena.
[1] Confira o documento "A Esperança da salvação para as crianças que morrem sem batismo" elaborado pela Comissão Teológica Internacional, disponível no site do Vaticano.
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